quarta-feira, 27 de julho de 2016

Encontros felizes

Para quem segue o percurso, “Noite Estrelada” está uma sala antes de “O Arqueiro”, no MoMA. Ver “ao vivo” este Van Gogh é algo: ali estão aquelas pinceladas que dão vontade de tocar, de seguir o contorno de cada uma com o dedo. Salas antes, há uma “Tête de femme” do Picasso cujo cabelo é impressionante: não tem nada com Medusa, mas tem mais força do que um ninho de serpentes. A pequena sala do “Goya Negro”, no Prado, é outra dimensão dentro do mesmo museu. “A Onda”, de Camille Claudel, no Museu Rodin.

Por não saber que ele tinha sobrevivido tantos séculos e que estava lá, quase caí pra trás quando dei de cara com o pequeno monolito negro em que está gravado o Código de Hamurabi, no Louvre.  O enorme disco de pedra do calendário Asteca, no Museu Nacional de Antropologia. Os painéis em bronze que os ingleses tiraram do panteão de Atenas e que estão no Museu Britânico: num deles, há uma veia saltada na barriga de um cavalo que também dá vontade de seguir com o dedo, até porque quem conhece cavalo conhece aquela veia, que salta na hora do esforço.

A Catedral de Brasília e o Guggenheim de Bilbao e os profetas de Congonhas e o anfiteatro romano de Lyon... Karnak impressiona, mas o pequeno Templo de Luxor, que se liga a Karnak por uma avenida margeada por esfinges, pela qual desfilava do primeiro ao outro a procissão de Amon Min, o pauzudo, mais ainda: é de uma beleza...

Ver Stanley Jordan tocar seu Stanley Touch no Theatro São Pedro, ouvir Leo Gandelman num sopranino duelar com Frank Solari, depois já ter duelado com Borghettinho, na OSPA; Hamilton de Holanda tocando numa roda de gaiteiros no Vitrine Gaúcha, também meio que num clima de duelo, um de cada vez, e tantos monstros do jazz que tive a oportunidade de ver tocar... Em termos de grata surpresa, lembrei agora de Esperanza Spalding: já tinha um CD dela, mas ao vivo... Deve ser das pessoas mais inteligentes que caminham pelo planeta.

Embaixo d’água: num mesmo mergulho noturno em Bonaire, a primeira sépia e depois a surpresa de ver aquele monte de camarõezinhos azuis subirem na minha mão e beliscarem, até me dar conta de que ela estava numa estação de limpeza. No Portinho do Brás, onde não se pode mais mergulhar, os minutos que passamos brincando com um polvo, interessadíssimo numa casca de siri que o Hique usava para toreá-lo. O dia em que eu era o único cliente, o divemaster desceu na frente e um golfinho brincalhão me acompanhou ao longo de todo o cabo do ferro. A tarde que passamos, só de snorkel, nadando com os filhotes de leões marinhos. E, claro, o momento em que aos poucos vem saindo da água turva aquele ônibus que é um tubarão-baleia.

Aquela noite na Terra dos Ventos sem Nome, no meio de um torneio de truco, em que ela mordeu um pêssego bonito e eu nunca quis tanto ser um pêssego... A madrugada de março em que saímos ensopados de suor de um baile no CTG Mate Amargo, corremos pra praia, entramos no mar, e a água estava tomada por Noctilluca: nosso rastro era um rastro de estrelas e as ondas brilhavam e o nosso abraço nu foi Comunhão.

Todos esses foram encontros que me enriqueceram, mas de certa forma estavam lá antes. São diferentes de uma janela que se abre e te mostra a liberdade do outro lado.

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