Um
homem vazio na noite vazia. Alguém que teme tornar-se Alonso Quijana, depois de
haver abdicado de ser Hamlet, Darwin, Ulrich e Horacio Oliveira e que se sabe,
ao menos no íntimo, incapaz de ser Ulisses. Numa hora em que, lá fora das
paredes protetoras, muralhas modernas feitas de quadros e livros, já não se espera
que as pessoas sejam racionais, inteligentes: é madrugada de sábado: lá fora só
há drogados, desajustados ao volante e gente no cio. Estar à margem desta
corrente turbulenta, protegido por quadros e livros, produz uma sensação
ambígua em quem ainda não encontrou, mas já entendeu que não é deste rio que
pescará uma solução.
Ah,
seria lindo vê-la saindo d'água, reluzente, arqueando o dorso e arquejando, a
Grande Solução, fisgada pelo anzol do raciocínio com a isca da dúvida!
E,
no entanto, já não faz sentido esperar esta epifania: sabe-se que não virá, que
o milagre se postergará ad infinitum.
Temos
momentos tão brilhantes, tão bravos, tão Ulisses, enganador de sereias,
vencedor de pretendentes, encantador de feiticeiras; momentos tão obscuros, tão
Hamlet, o príncipe que sacrifica sua razão (esse
est percipi) por um esquema que não cumpre, uma vingança que não executa.
Voluntariamente deixar de ser o príncipe para perseguir uma meta que, quando a
tem à mão, abandona, porque a meta não passa de um pretexto para deixar de ser
o príncipe, porque por trás desta farsa está a verdadeira busca, que não é de
vingança, mas de autoconhecimento. Sacrificar o príncipe para poder ser Hamlet.
E, ao final, o destino é mais poderoso (como em Macbeth) e no duelo com Laertes
a reiterada vilania do rei cria uma situação em que já não é possível hesitar,
já não é possível deixar de executar a ordem paterna e cumprir a vingança.
Absolutamente nonsense: tanta
renúncia para, no último ato, cumprir a ordem recebida no primeiro. Hamlet não
consegue dissociar-se do príncipe nem pela via da loucura, ou seja, nem
sacrificando o que de mais humano há no homem: a razão.
E aí voltamos às questões:
qual destino escolher?
e para quê?
A
resposta à segunda pergunta só pode ser uma: autoconhecimento. É preciso ter
uma visão budista da coisa e acreditar que o autoconhecimento por si só
bastará, que o homem "iluminado" comungará com a natureza e estará
tão cheio e completo que será como se estivesse vazio: as impressões do mundo
exterior entrarão nele como um grito na lua — simplesmente não encontrarão onde
se propagar. Não perturbarão.
Quanto
à primeira pergunta, o mais tentador é voltar a responder: "caminante, no
hay camino: se hace camino al andar". O problema é que, sem atingir o
estado-objetivo, sem matar o ego e suas preocupações tão poderosas quanto
infantis, cada percalço do caminho é um problema sério, ou ao menos se parece
muito com um.
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