sábado, 2 de julho de 2016

A Solução

Um homem vazio na noite vazia. Alguém que teme tornar-se Alonso Quijana, depois de haver abdicado de ser Hamlet, Darwin, Ulrich e Horacio Oliveira e que se sabe, ao menos no íntimo, incapaz de ser Ulisses. Numa hora em que, lá fora das paredes protetoras, muralhas modernas feitas de quadros e livros, já não se espera que as pessoas sejam racionais, inteligentes: é madrugada de sábado: lá fora só há drogados, desajustados ao volante e gente no cio. Estar à margem desta corrente turbulenta, protegido por quadros e livros, produz uma sensação ambígua em quem ainda não encontrou, mas já entendeu que não é deste rio que pescará uma solução.

Ah, seria lindo vê-la saindo d'água, reluzente, arqueando o dorso e arquejando, a Grande Solução, fisgada pelo anzol do raciocínio com a isca da dúvida!
           
E, no entanto, já não faz sentido esperar esta epifania: sabe-se que não virá, que o milagre se postergará ad infinitum.

Temos momentos tão brilhantes, tão bravos, tão Ulisses, enganador de sereias, vencedor de pretendentes, encantador de feiticeiras; momentos tão obscuros, tão Hamlet, o príncipe que sacrifica sua razão (esse est percipi) por um esquema que não cumpre, uma vingança que não executa. Voluntariamente deixar de ser o príncipe para perseguir uma meta que, quando a tem à mão, abandona, porque a meta não passa de um pretexto para deixar de ser o príncipe, porque por trás desta farsa está a verdadeira busca, que não é de vingança, mas de autoconhecimento. Sacrificar o príncipe para poder ser Hamlet. E, ao final, o destino é mais poderoso (como em Macbeth) e no duelo com Laertes a reiterada vilania do rei cria uma situação em que já não é possível hesitar, já não é possível deixar de executar a ordem paterna e cumprir a vingança. Absolutamente nonsense: tanta renúncia para, no último ato, cumprir a ordem recebida no primeiro. Hamlet não consegue dissociar-se do príncipe nem pela via da loucura, ou seja, nem sacrificando o que de mais humano há no homem: a razão.

            E aí voltamos às questões:
            qual destino escolher?
            e para quê?
           
A resposta à segunda pergunta só pode ser uma: autoconhecimento. É preciso ter uma visão budista da coisa e acreditar que o autoconhecimento por si só bastará, que o homem "iluminado" comungará com a natureza e estará tão cheio e completo que será como se estivesse vazio: as impressões do mundo exterior entrarão nele como um grito na lua — simplesmente não encontrarão onde se propagar. Não perturbarão.
           

Quanto à primeira pergunta, o mais tentador é voltar a responder: "caminante, no hay camino: se hace camino al andar". O problema é que, sem atingir o estado-objetivo, sem matar o ego e suas preocupações tão poderosas quanto infantis, cada percalço do caminho é um problema sério, ou ao menos se parece muito com um.

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