Eles voltavam dos molhes pedalando pela praia da Terra dos Ventos sem Nome. Em frente às ruínas do terminal turístico, foram colhidos pelo temporal: o vento, que até então vinha do mar e era ligeiramente a favor, levantou de um segundo para o outro, que é a beleza dos temporais, rondou e soprou de Sul com vontade. Junto com o vento forte veio a chuva, chuva guasqueada a vento, açoitando o casal incauto. Ela não aguentou pedalar contra tanto vento, nada via, porque as guascas d'água machucavam-lhe os olhos, e já sentia dores no seu sensível ouvido esquerdo. Sofreu, a bela companheira!
O casal saiu da praia na primeira entrada para o balneário e pedalou até o apartamento dele. Lá, sob um chuveiro maravilhoso, tiveram a felicidade que é redescobrir os prazeres de um banho a dois, depois de tanto tempo. Uma bela bimba e a sensação de terem feito amor, ou de terem andado muito perto disso.
***
duas flechas que formam uma flecha
dois amantes que formam — o quê?
Tem de ter a ver com eletricidade — geração, acumulação e descargas. Podemos pensar em dínamos, mas dínamos são pesados, e o amor é leve. O amor é, ou antecipa, a fusão a frio. Não que o tenhamos inventado — paro para pensar na primeira foda completa em seus elementos: corte, agarramento violento, alguma espécie de penetração e a triste separação depois do clímax: omne animal triste post coitum.
segunda-feira, 25 de julho de 2016
domingo, 24 de julho de 2016
Macedonio
Uma das coisas a que me propus foi não fazer deste blog um amontoado de citações. No entanto, voltando a "Todo y Nada", do porteño Macedonio Fernandez, tropecei num textículo que conversa com o que escrevi no fim de "A Condição Humana" e não resisto a copiar os dois primeiros parágrafos:
"Hay que enseñar a creer, pero más aún a no creer.
Para que haya en cada uno un poco de bondad hacia todos es necesario que no se crea que hay mucha. El hombre que se desvive por la humanidad y aun por su patria, es una mentira; lo verdadero y lo que se necesita y basta para que todo ande bien es querer mucho a sí mismo, su familia y amigos, algo a sus vecinos y la ciudad, un poco de algo a su país, casi nada a la humanidad, y nada a la Especie, a la humanidad de otra época."
"Hay que enseñar a creer, pero más aún a no creer.
Para que haya en cada uno un poco de bondad hacia todos es necesario que no se crea que hay mucha. El hombre que se desvive por la humanidad y aun por su patria, es una mentira; lo verdadero y lo que se necesita y basta para que todo ande bien es querer mucho a sí mismo, su familia y amigos, algo a sus vecinos y la ciudad, un poco de algo a su país, casi nada a la humanidad, y nada a la Especie, a la humanidad de otra época."
Coices de porco
Coice de Porco I
No baixo de lá da estrada, a Veia e o Menino vão pipocando numa carroça tirada por dois cavalos. No acostamento de cá, vai o Ciclista. Lá pelas tantas, passa por outro vivente de bicicleta e saúda-o. O tipo responde, e chama a atenção do Ciclista o estado de desarranjo dos dentes dele: quantos faltam? Quão tortos estão os remanescentes? O Ciclista passa pelo vivente e continua.
Mais adiante, para sua surpresa, já estão a Veia e o piá na carroça, agora no baixo de cá da estrada: o Ciclista não viu quando eles atravessaram a estrada nem quando o ultrapassaram. A Veia toma coragem e pergunta ao Ciclista: "O senhor não viu meu marido por aí? Ele vinha de bicicleta, aí por cima da pedra…" O Ciclista, pra confirmar se o Marido da Veia era o vivente que viu na outra bicicleta, só poderia fazer uma pergunta do tipo: "Aquele quase careca, meio sem dente?" Percebe a tempo a ofensa contida na pergunta hipotética e decide não a fazer. Responde: "Não, senhora, não vi, não sei onde ele pode estar." A Veia faz uma cara desconsolada, não entende como o Ciclista não viu o Marido, mas aceita a negativa.
O final é feliz: quando o Ciclista está encostado em uma placa da estrada, descansando e tomando água, exausto por conta do vento contra, passam a Veia e o Marido na carroça, "por cima da pedra", com o Menino pedalando atrás, faceiro na bicicleta.
Coice de Porco II
O Ciclista em férias chega à pousada no meio do deserto. Começa a acertar seu pouso com o Hospedeiro, que vai anotando seus dados num caderno encardido com uma letra de criança, que é a letra dos semianalfabetos. Vê as panelas e o ambiente que sugere um comedouro. Pergunta se haverá janta. Como vai ter, cai na asneira de comentar que é bom, porque então pode jantar ali mesmo e pagar o pouso e a janta com o mesmo cheque, que é o seu último. O Hospedeiro responde que a pousada não trabalha com cheques. O Ciclista, que sabe que está a mais de 35km do fim do deserto, sente o bafo na nuca e a unha do dedão no calcanhar. Resigna-se: regra é regra. Aí o Hospedeiro faz merda: pergunta desde quando o Ciclista tem aquela conta do cheque no banco. O Ciclista responde que deve estar impresso na folhinha, e tira-a da pochete. São quase dez anos, e trata-se de um cheque especial. O Hospedeiro pega a folhinha na mão, olha-a, só falta cheirar, e comenta: "Mas tá muito feio esse teu cheque, assim nem o banco aceita!" E invoca o Ser Supremo: "E tem o Patrão, se eu aceito isso, depois ele cobra de mim…" O sangue do Ciclista ferve, um cheiro de arbitrariedade enche o ar, mas o cara se controla.
Mantendo a calma e a politesse tanto quanto possível, o Ciclista monta na bicicleta e se vai. Na hora de montar, em frente às mulheres da pousada, resiste à última tentação: repetir o gesto dos apóstolos, depois imitado por Antônio Conselheiro nos sertões da Bahia, de sacudir a poeira das sandálias à porta das cidades que os rejeitaram, significando: "Daqui não quero levar nem o pó!" Percebe, porém, que o próprio gesto seria pérolas aos porcos naquele deserto, e parte em silêncio, sem sacudir a poeira dos Reebok, que, aliás, pouco ou nada têm a ver com sandálias apostólicas.
No baixo de lá da estrada, a Veia e o Menino vão pipocando numa carroça tirada por dois cavalos. No acostamento de cá, vai o Ciclista. Lá pelas tantas, passa por outro vivente de bicicleta e saúda-o. O tipo responde, e chama a atenção do Ciclista o estado de desarranjo dos dentes dele: quantos faltam? Quão tortos estão os remanescentes? O Ciclista passa pelo vivente e continua.
Mais adiante, para sua surpresa, já estão a Veia e o piá na carroça, agora no baixo de cá da estrada: o Ciclista não viu quando eles atravessaram a estrada nem quando o ultrapassaram. A Veia toma coragem e pergunta ao Ciclista: "O senhor não viu meu marido por aí? Ele vinha de bicicleta, aí por cima da pedra…" O Ciclista, pra confirmar se o Marido da Veia era o vivente que viu na outra bicicleta, só poderia fazer uma pergunta do tipo: "Aquele quase careca, meio sem dente?" Percebe a tempo a ofensa contida na pergunta hipotética e decide não a fazer. Responde: "Não, senhora, não vi, não sei onde ele pode estar." A Veia faz uma cara desconsolada, não entende como o Ciclista não viu o Marido, mas aceita a negativa.
O final é feliz: quando o Ciclista está encostado em uma placa da estrada, descansando e tomando água, exausto por conta do vento contra, passam a Veia e o Marido na carroça, "por cima da pedra", com o Menino pedalando atrás, faceiro na bicicleta.
Coice de Porco II
O Ciclista em férias chega à pousada no meio do deserto. Começa a acertar seu pouso com o Hospedeiro, que vai anotando seus dados num caderno encardido com uma letra de criança, que é a letra dos semianalfabetos. Vê as panelas e o ambiente que sugere um comedouro. Pergunta se haverá janta. Como vai ter, cai na asneira de comentar que é bom, porque então pode jantar ali mesmo e pagar o pouso e a janta com o mesmo cheque, que é o seu último. O Hospedeiro responde que a pousada não trabalha com cheques. O Ciclista, que sabe que está a mais de 35km do fim do deserto, sente o bafo na nuca e a unha do dedão no calcanhar. Resigna-se: regra é regra. Aí o Hospedeiro faz merda: pergunta desde quando o Ciclista tem aquela conta do cheque no banco. O Ciclista responde que deve estar impresso na folhinha, e tira-a da pochete. São quase dez anos, e trata-se de um cheque especial. O Hospedeiro pega a folhinha na mão, olha-a, só falta cheirar, e comenta: "Mas tá muito feio esse teu cheque, assim nem o banco aceita!" E invoca o Ser Supremo: "E tem o Patrão, se eu aceito isso, depois ele cobra de mim…" O sangue do Ciclista ferve, um cheiro de arbitrariedade enche o ar, mas o cara se controla.
Mantendo a calma e a politesse tanto quanto possível, o Ciclista monta na bicicleta e se vai. Na hora de montar, em frente às mulheres da pousada, resiste à última tentação: repetir o gesto dos apóstolos, depois imitado por Antônio Conselheiro nos sertões da Bahia, de sacudir a poeira das sandálias à porta das cidades que os rejeitaram, significando: "Daqui não quero levar nem o pó!" Percebe, porém, que o próprio gesto seria pérolas aos porcos naquele deserto, e parte em silêncio, sem sacudir a poeira dos Reebok, que, aliás, pouco ou nada têm a ver com sandálias apostólicas.
quinta-feira, 21 de julho de 2016
Verbetes I
Estou trabalhando em textos novos. Por ora, e talvez mais duas vezes no futuro, vou embromar vocês com uns posts que saíram na fase de verbetes do Ménage; eles foram um tantinho limados para o contexto deste blog e para se adequarem ao novo acordo ortográfico. Fazendo um parêntese: que acordo? Revolta-me ter de escrever sem o trema sabendo que Portugal não ratificou o acordo e que, portanto, em nada mudou sua ortografia! Fizemos nós essa cagança com nosso quinhão da última flor do Lácio, inculta e bela, pra quê? Enfim, aí vão os primeiros verbetes, com ou sem o perdão da Thaís :-):
Comunicação de casal
Carranca abre caminho. É toda essa comunicação não-verbal que serve de advertência, que diz sem dizer que há uma linha que não se deve cruzar. Temos uma relação, mas ainda somos dois indivíduos e o meu espaço ninguém tasca! O olhar fulminante, nossa herança fantástica do basilisco, ou o gesto curto, decidido, da mão à altura da cintura. Pequenas violências que evitam as grandes e que, portanto, preservam a relação.
Abre-se então, entre esses espaços preservados, o campo para o carinho mútuo. Cafunés, aqueles apelidos tontos, mais das vezes zoológicos, que não evitam os amantes, o sexo gostoso e um dia, quem sabe, a glória de fazer amor de verdade.
Desafogo
O grito do Ipiranga. "The Short Happy Life of Francis M", do Hemingway.
Ou não.
Ou o contrário: o menino de 11 anos, o mais novinho em sua turma, que num assomo da loucura que demonstrará mais tarde nas paixões da adolescência, diz para sua colega que, para ele, ela tem mais magia do que todos os filmes do Harry Potter juntos! O desafogo de confessar uma paixão que já não é suportável incubada, que crescia como um câncer, ocupando o espaço de outras coisas saudáveis (e não como uma figueira, que cresce para tornar-se mais misteriosa e forte), compensa fartamente a trabalhosa digestão de todo o desdém que ela lhe professa: finalmente, o autorama volta a ter graça!
Comunicação de casal
Carranca abre caminho. É toda essa comunicação não-verbal que serve de advertência, que diz sem dizer que há uma linha que não se deve cruzar. Temos uma relação, mas ainda somos dois indivíduos e o meu espaço ninguém tasca! O olhar fulminante, nossa herança fantástica do basilisco, ou o gesto curto, decidido, da mão à altura da cintura. Pequenas violências que evitam as grandes e que, portanto, preservam a relação.
Abre-se então, entre esses espaços preservados, o campo para o carinho mútuo. Cafunés, aqueles apelidos tontos, mais das vezes zoológicos, que não evitam os amantes, o sexo gostoso e um dia, quem sabe, a glória de fazer amor de verdade.
Desafogo
O grito do Ipiranga. "The Short Happy Life of Francis M", do Hemingway.
Ou não.
Ou o contrário: o menino de 11 anos, o mais novinho em sua turma, que num assomo da loucura que demonstrará mais tarde nas paixões da adolescência, diz para sua colega que, para ele, ela tem mais magia do que todos os filmes do Harry Potter juntos! O desafogo de confessar uma paixão que já não é suportável incubada, que crescia como um câncer, ocupando o espaço de outras coisas saudáveis (e não como uma figueira, que cresce para tornar-se mais misteriosa e forte), compensa fartamente a trabalhosa digestão de todo o desdém que ela lhe professa: finalmente, o autorama volta a ter graça!
O pau de selfie
“Eu poderia dizer, entre outras coisas, que a cidade é feita para que possamos conversar.”
Paulo Mendes da Rocha, arquiteto
O próximo dos evangelhos morreu em algum ponto por aí no século XXI e não foi só aqui no Brasil: não faz muito que um copiloto deprimido se suicidou levando um monte de gente junto! Aqui em Porto Alegre, vamos aos extremos: tem os cretinos que deixam o carrinho do supermercado atrás do teu carro e tem o bandido que mata uma mulher em plena luz do dia, na praça em frente ao Rosário, porque ela instintivamente segurou a bolsa quando ele veio por trás e puxou-a.
O pau de selfie não é nem o carrinho do cretino nem o revólver do bandido, mas ele é sintomático: "se possível, não quero mais me comunicar ao vivo com ninguém!"; "Na Internet, abro mão da minha privacidade e falo com qualquer um; no parque, são todos estranhos perigosos!"
Se o sujeito não estiver numa situação de perigo e/ou desconforto embaixo d’água, metido numa correntada ou passando um baita frio, não tem como um mergulho ser uma experiência ruim, porque tem duas coisas ótimas que não mudam nunca: nem que o teu parceiro de mergulho queira, ele não consegue falar contigo, é quase uma hora de silêncio de rádio com o resto da humanidade, e também lá o demônio da gravidade, que tanto atazanava o Zaratustra de Nietzsche, perde seu poder: se fizeres tudo certo, terás flutuabilidade neutra. Eu tiro ainda outro prazer: estou autônomo, carrego comigo até o ar que respiro! Coisas de um cara que no fundo é um bicho de concha...
Por outro lado, gosto do papo até com o cara atrás do balcão da lanchonete de um posto de gasolina perdido no meio do nada na Bahia, que me contou os últimos dias do Lamarca, fuzilado perto dali, na propriedade de um primo seu. Aliás, mais uma vez: não poderia viajar sozinho de moto oito mil quilômetros pelo Brasil se não contasse com o próximo.
Sociedade e civilização não são a mesma coisa. Os nômades do Saara e os ianomâmis vivem em sociedade, mas não são civilizados, porque civilização, desde sua própria raiz, é viver em cidades. Fazemos isso desde o começo da agricultura, que nos permitiu acumular excedentes de alimentos, porque acreditamos que é mais vantajoso, por várias razões, mas foi também a partir da vida nas cidades, onde havia mais gente do que um grupo familiar expandido, que se fez necessário escrever códigos, pautar a convivência, em busca de um mínimo de harmonia. Cada vez que encontro um carrinho de supermercado atrás do meu carro, sinto que as condições de convivência estão se deteriorando, que o onipresente “foda-se o outro” está minando o sentido da vida civilizada.
Paulo Mendes da Rocha, arquiteto
O próximo dos evangelhos morreu em algum ponto por aí no século XXI e não foi só aqui no Brasil: não faz muito que um copiloto deprimido se suicidou levando um monte de gente junto! Aqui em Porto Alegre, vamos aos extremos: tem os cretinos que deixam o carrinho do supermercado atrás do teu carro e tem o bandido que mata uma mulher em plena luz do dia, na praça em frente ao Rosário, porque ela instintivamente segurou a bolsa quando ele veio por trás e puxou-a.
O pau de selfie não é nem o carrinho do cretino nem o revólver do bandido, mas ele é sintomático: "se possível, não quero mais me comunicar ao vivo com ninguém!"; "Na Internet, abro mão da minha privacidade e falo com qualquer um; no parque, são todos estranhos perigosos!"
Se o sujeito não estiver numa situação de perigo e/ou desconforto embaixo d’água, metido numa correntada ou passando um baita frio, não tem como um mergulho ser uma experiência ruim, porque tem duas coisas ótimas que não mudam nunca: nem que o teu parceiro de mergulho queira, ele não consegue falar contigo, é quase uma hora de silêncio de rádio com o resto da humanidade, e também lá o demônio da gravidade, que tanto atazanava o Zaratustra de Nietzsche, perde seu poder: se fizeres tudo certo, terás flutuabilidade neutra. Eu tiro ainda outro prazer: estou autônomo, carrego comigo até o ar que respiro! Coisas de um cara que no fundo é um bicho de concha...
Por outro lado, gosto do papo até com o cara atrás do balcão da lanchonete de um posto de gasolina perdido no meio do nada na Bahia, que me contou os últimos dias do Lamarca, fuzilado perto dali, na propriedade de um primo seu. Aliás, mais uma vez: não poderia viajar sozinho de moto oito mil quilômetros pelo Brasil se não contasse com o próximo.
Sociedade e civilização não são a mesma coisa. Os nômades do Saara e os ianomâmis vivem em sociedade, mas não são civilizados, porque civilização, desde sua própria raiz, é viver em cidades. Fazemos isso desde o começo da agricultura, que nos permitiu acumular excedentes de alimentos, porque acreditamos que é mais vantajoso, por várias razões, mas foi também a partir da vida nas cidades, onde havia mais gente do que um grupo familiar expandido, que se fez necessário escrever códigos, pautar a convivência, em busca de um mínimo de harmonia. Cada vez que encontro um carrinho de supermercado atrás do meu carro, sinto que as condições de convivência estão se deteriorando, que o onipresente “foda-se o outro” está minando o sentido da vida civilizada.
domingo, 17 de julho de 2016
A Resposta
Estava hospedado numa pousada-parque
bicho-grilo em Punta Rubia. Foi das grandes rateadas que dei na vida: não
prestei atenção nas informações do site e aluguei na virada do ano um chalé sem
ar condicionado! Num começo de tarde, medi 37ºC na sala! Dormir era brabo,
nick-nick era heroísmo...
Mas o que nos leva a este textículo é
justamente o problema oposto: ao invés de como esfriar o chalé, como aquecer a
água do banho? O aquecedor era um desses de parede normais, só que colocado numa casinha
própria, com sua chaminé, atrás do chalé.
E não funcionava, e o guri da pousada ia lá, mexia e nada, a água
começava a aquecer e logo esfriava. Um saco.
Um dia eu andava por ali, cozinhando ao
sol, e vi um passarinho na volta da chaminé. Eu me criei com esses aquecedores,
mais ou menos conheço suas manhas, então me deu um estalo, fui falar com a
gerente e lhe disse: acho que tem um ninho de passarinho na chaminé, por isso o
aquecedor não fica ligado. Ela levantou a bola: o senhor viu o ninho? E eu tive
o imenso prazer de responder-lhe, com um sorriso que eu não teria como disfarçar:
—
Yo no he visto el nido, pero
vi el pájaro.
sábado, 16 de julho de 2016
A Espada Flamígera
Antes de mais nada: salvo engano, esse texto foi escrito circa 2003 para o falecido blog Ménage.
A Espada Flamígera é um símbolo simples da expulsão do Paraíso.
Na minha experiência, as meninas não entendem que uma relação à qual se apegaram acabou enquanto não se lhes indicar a porta, segurando na outra mão a espada em chamas, qual Arcanjo Miguel. Em outras palavras: um mínimo de rispidez faz-se necessário.
Há um ponto em que a Espada Flamígera e o Caminho do Zen-budismo se cruzam. A última coisa que deseja um peregrino do Caminho é perder a serenidade e desembainhar a Espada. Não se trata propriamente de respeito à pessoa com quem se estabeleceu a relação que ora urge terminar, trata-se de preservar aquela ordem interior que custa tanto construir. Frente à falta de um mínimo de percepção ou sabedoria da outra parte, porém, andar para trás no Caminho e por um momento perder as estribeiras é uma alternativa preferível a cometer a violência contra si mesmo de continuar convivendo com alguém que, por ação ou omissão, amiúde quebra-lhe a paz interior. É melhor perder a cabeça e incendiar-se como um fósforo do que desandar o Caminho dia a dia numa relação frustrante.
A Espada Flamígera é um símbolo simples da expulsão do Paraíso.
Na minha experiência, as meninas não entendem que uma relação à qual se apegaram acabou enquanto não se lhes indicar a porta, segurando na outra mão a espada em chamas, qual Arcanjo Miguel. Em outras palavras: um mínimo de rispidez faz-se necessário.
Há um ponto em que a Espada Flamígera e o Caminho do Zen-budismo se cruzam. A última coisa que deseja um peregrino do Caminho é perder a serenidade e desembainhar a Espada. Não se trata propriamente de respeito à pessoa com quem se estabeleceu a relação que ora urge terminar, trata-se de preservar aquela ordem interior que custa tanto construir. Frente à falta de um mínimo de percepção ou sabedoria da outra parte, porém, andar para trás no Caminho e por um momento perder as estribeiras é uma alternativa preferível a cometer a violência contra si mesmo de continuar convivendo com alguém que, por ação ou omissão, amiúde quebra-lhe a paz interior. É melhor perder a cabeça e incendiar-se como um fósforo do que desandar o Caminho dia a dia numa relação frustrante.
Assinar:
Postagens (Atom)