Quando anunciei o blog no Face, prometi que
não ia estropiar aqui os mesmos assuntos que estropio lá, e cumpri a promessa.
E acho que falar aqui mais extensamente sobre o que está por trás, ou formando,
as opiniões tortas que postei lá não quebra a promessa, mas vou começar com uma
anedota, mais engraçada, porém mais longa, do que aquela do Lincoln e os
trilhos que postei lá. Para a coisa fazer mais sentido e também dar um
gostinho, quiçá azedo, do que vem pela frente, vou começar com uma aulinha, que
quem conhece derivativos pode pular sem nenhum prejuízo.
O que é um derivativo? É um contrato
financeiro entre duas partes cujo valor deriva de outro ativo. Exemplos: o
valor de um contrato futuro de soja, negociado em Chicago, deriva do valor da
soja, enquanto o valor de uma opção de compra de ações da Petrobras, negociado
na BM&FBovespa, deriva da cotação das ações da Petrobras.
Um contrato futuro obriga uma das
partes a comprar, ou vender, um ativo por um preço determinado na data de seu
vencimento. Na imensa maioria das vezes, a liquidação do contrato se dá com o
pagamento da diferença entre o preço acordado e o preço do ativo naquele
momento, chamado de “spot”. No caso de um contrato futuro de compra de uma
commodity, uma vez na vida e outra na morte pode acontecer de o vendedor não
conseguir efetivamente vender seu produto para quem o queira de fato, e aí o
comprador de um contrato financeiro é obrigado a pagar pelo produto e
recebê-lo fisicamente, o que é um baita perrengue: é só imaginar um banco tendo
de receber toneladas de minério de ferro!
Postei no Face que a função original do
mercado financeiro era ser um catalisador dos negócios da economia real e que
isso foi pervertido numa dimensão inacreditável: criou-se um monstro que não
vai ter Héracles que liquide. No caso dos derivativos, eles foram criados para
que as empresas se protegessem das oscilações nos preços ou taxas que afetam
seus negócios, trazendo mais estabilidade para suas operações. Exemplo: a Bunge
está comprando soja a x dólares por
tonelada, mas acredita que dentro de três meses, por causa de uma probabilidade
de quebra de safra na Argentina, ela pode vir a custar y > x. Ela então
procura, através da bolsa de Chicago, outra parte que tenha a visão oposta, ou
seja, que acredita que o preço futuro y
será menor do que x, e aí eles firmam
um contrato que obriga a Bunge a comprar a soja ao preço x dentro de três meses. Na data da
liquidação do contrato, a Bunge pode pagar ou receber a diferença entre x e y
ou, se tiver necessidade da soja naquele momento e espaço em seus armazéns,
pagar o preço x e receber fisicamente
a soja. Essa proteção contra oscilações de preços é chamada de “hedge” e
especulação vocês sabem o que é. Os derivativos são instrumentos excelentes
para especular, por razões que não vou explicar aqui, senão fica demais,
portanto o mercado financeiro perverteu isso também: o que era para servir para
hedge passou a ser usado para especular. Qual a diferença entre uma coisa e
outra? A escala: se eu trabalho com 100 toneladas de soja por ano e faço um
contrato futuro de compra de 30 toneladas, estou me protegendo; se faço de 300
toneladas, estou especulando. Da mesma forma, se trabalho com soja e entro em
um contrato futuro de milho, estou especulando. A Aracruz Celulose quebrou e a
Sadia quase quebrou porque especularam com derivativos cambiais. Dado que as
duas empresas são exportadoras, faz sentido se protegerem de oscilações na taxa
de câmbio, mas de modo algum no volume em que negociaram derivativos!
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