quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Keynes

Quando anunciei o blog no Face, prometi que não ia estropiar aqui os mesmos assuntos que estropio lá, e cumpri a promessa. E acho que falar aqui mais extensamente sobre o que está por trás, ou formando, as opiniões tortas que postei lá não quebra a promessa, mas vou começar com uma anedota, mais engraçada, porém mais longa, do que aquela do Lincoln e os trilhos que postei lá. Para a coisa fazer mais sentido e também dar um gostinho, quiçá azedo, do que vem pela frente, vou começar com uma aulinha, que quem conhece derivativos pode pular sem nenhum prejuízo.

O que é um derivativo? É um contrato financeiro entre duas partes cujo valor deriva de outro ativo. Exemplos: o valor de um contrato futuro de soja, negociado em Chicago, deriva do valor da soja, enquanto o valor de uma opção de compra de ações da Petrobras, negociado na BM&FBovespa, deriva da cotação das ações da Petrobras.

Um contrato futuro obriga uma das partes a comprar, ou vender, um ativo por um preço determinado na data de seu vencimento. Na imensa maioria das vezes, a liquidação do contrato se dá com o pagamento da diferença entre o preço acordado e o preço do ativo naquele momento, chamado de “spot”. No caso de um contrato futuro de compra de uma commodity, uma vez na vida e outra na morte pode acontecer de o vendedor não conseguir efetivamente vender seu produto para quem o queira de fato, e aí o comprador de um contrato financeiro é obrigado a pagar pelo produto e recebê-lo fisicamente, o que é um baita perrengue: é só imaginar um banco tendo de receber toneladas de minério de ferro!

Postei no Face que a função original do mercado financeiro era ser um catalisador dos negócios da economia real e que isso foi pervertido numa dimensão inacreditável: criou-se um monstro que não vai ter Héracles que liquide. No caso dos derivativos, eles foram criados para que as empresas se protegessem das oscilações nos preços ou taxas que afetam seus negócios, trazendo mais estabilidade para suas operações. Exemplo: a Bunge está comprando soja a x dólares por tonelada, mas acredita que dentro de três meses, por causa de uma probabilidade de quebra de safra na Argentina, ela pode vir a custar y > x. Ela então procura, através da bolsa de Chicago, outra parte que tenha a visão oposta, ou seja, que acredita que o preço futuro y será menor do que x, e aí eles firmam um contrato que obriga a Bunge a comprar a soja ao preço x dentro de três meses. Na data da liquidação do contrato, a Bunge pode pagar ou receber a diferença entre x e y ou, se tiver necessidade da soja naquele momento e espaço em seus armazéns, pagar o preço x e receber fisicamente a soja. Essa proteção contra oscilações de preços é chamada de “hedge” e especulação vocês sabem o que é. Os derivativos são instrumentos excelentes para especular, por razões que não vou explicar aqui, senão fica demais, portanto o mercado financeiro perverteu isso também: o que era para servir para hedge passou a ser usado para especular. Qual a diferença entre uma coisa e outra? A escala: se eu trabalho com 100 toneladas de soja por ano e faço um contrato futuro de compra de 30 toneladas, estou me protegendo; se faço de 300 toneladas, estou especulando. Da mesma forma, se trabalho com soja e entro em um contrato futuro de milho, estou especulando. A Aracruz Celulose quebrou e a Sadia quase quebrou porque especularam com derivativos cambiais. Dado que as duas empresas são exportadoras, faz sentido se protegerem de oscilações na taxa de câmbio, mas de modo algum no volume em que negociaram derivativos!

E chegamos à anedota! Lord Keynes não foi apenas um dos economistas mais influentes do século XX, mas também um grande especulador. Certa vez, procurou um padre que conhecia e pediu para alugar sua igreja por um fim de semana, para fazer um retiro espiritual privado, e claro que o padre topou, sensibilizado pela oportunidade de ajudar aquela alma a se aproximar de deus, e provavelmente por umas quantas libras também. Quando recebeu a igreja de volta na segunda-feira, estranhou a quantidade de grãos de milho espalhados pelo chão. Explicação: Lord Keynes havia entrado num contrato futuro de compra de milho que vencia na sexta-feira, não conseguiu liquidar o contrato financeiramente e foi obrigado a receber o milho, para o qual achara apenas um comprador que só podia recebê-lo na segunda-feira, de modo que de alguma forma tinha de armazenar os sacos de milho durante o fim de semana, e a igreja foi o “depósito” mais barato que encontrou!

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