sábado, 10 de setembro de 2016

Sonhos III

Esse deve ser do começo de 2003, logo antes do III Fórum Social Mundial.

Sonhei que havia chegado a uma ilha onde ia a um encontro, ou talvez especificamente a uma versão do FSM. Os outros participantes do encontro iam acampar numa área delimitada, mas eu, me achando muito esperto, havia estudado o mapa da ilha e encontrado uma gruta conveniente, razão pela qual sequer havia levado uma barraca: apenas um cobertor me bastaria. Entro na caverna, que está numa escuridão completa, e me surpreendo com o quanto seu chão é inclinado. No escuro, imagino que estou numa rampa acentuada, com a parede da gruta à minha esquerda e um abismo à minha direita, então decido acampar ali mesmo: estendo o cobertor no chão, que logo percebo imundo, e me enrolo nele. Meus olhos vão se acostumando à escuridão e vejo, sem me assustar, que à minha esquerda não há apenas a parede que eu havia imaginado, mas um espaço aberto num plano mais elevado, onde vejo passar, de novo sem me assustar, um cara de barba e cabelos claros. Ele tropeça em um banco comprido e se assusta, abaixa-se um pouco e move-se rapidamente para fora do meu campo de visão. Mais pelo som que fez o banco ao levar o tropeção do barbudo do que por qualquer coisa que eu tenha visto, compreendo que o espaço acima e à esquerda de mim é uma igreja, e o susto e a fuga rápida do barbudo me fazem entender que não sou o único que procurou abrigo clandestinamente (eu sem saber) naquela noite, naquela igreja, e compreendo também que seríamos expulsos se descobertos. Em seguida penso que o barbudo corre este risco, mas que eu, mais abaixo e no escuro, estou a salvo. Dentro do sonho, durmo.

Desperto deste sono dentro do sonho com talvez uma repetição do som de alguém tropeçando em um banco da igreja. A escuridão vai se dissipando, até porque o dia vem clareando, e vejo que não estou deitado no chão de uma gruta, mas arriado na cadeira de um teatro que é uma igreja e que o que não me faz falta são vizinhos, dos lados e abaixo de mim.

Por trás de nós, vem entrando um padre para dizer missa. Percebo que é impossível escapar a tempo, mas vejo que meus vizinhos não se assustam e logo me tranquilizo. Estudo melhor minha situação/posição e logo vejo que eu não poderia mesmo ter deixado rapidamente meu lugar, pelo menos não sem molhar os pés, porque estou descalço e longe do chão, como se estivesse numa cadeira de juiz de tênis, e que no piso lá embaixo há uma série de poças d'água. Sigo com os olhos o filete que formou estas poças e vejo que provém de um cooler igual ao meu, pertencente a três homens mais velhos que estão claramente acampados no nível imediatamente inferior ao meu e deslocados à minha esquerda.

O padre chega ao altar para começar a missa e nota-se que ele compreendeu a situação, mas decidiu ser nosso cúmplice: com ar jocoso, faz um comentário do tipo "que bom ver a igreja tão cheia de novos fiéis para a primeira missa" e toca o bonde. O sonho acaba.

Elementos para interpretação, pensando que muitas histórias que conto são na verdade minha versão corrente do que poderíamos chamar de a minha história verdadeira, ou a minha história vista objetivamente por, digamos, o homem de Sírius do Erico Verissimo:
 

  • Ir para uma reunião é ir para o FSM. Compreende-se a minha ansiedade com este assunto, posto que hoje às 17h terei minha primeira reunião como tradutor voluntário.
  • Ilha dá ideia de isolamento, no caso meu isolamento de menino asmático que passava mais tempo lendo do que jogando bola, e que até hoje acha que estas leituras o fizeram mais esperto do que os coleguinhas.
  • A caverna escura de chão sujo onde me acomodo é o ambiente desagradável e perigoso criado e mantido pelos dois escorpiões de plantão, meus pais.
  • A igreja onde afinal me descubro com certo alívio (especialmente depois que fica clara a aceitação da situação pelo padre) é a alternativa ao ambiente ruim onde eu havia me deitado (ou pensava que havia me deitado), e esta alternativa era a minha avó.
  • O barbudo que primeiro aparece representa um hippie, a partir do comentário do Rodrigão que os jovens que vêm para o FSM e acampam no Parque da Harmonia são "hippies fedorentos". Os homens com o cooler reforçam a ideia de gente acampada, mas não tenho uma interpretação para a água no chão e o quanto ela me atrapalhou por estar descalço.

Noutro sonho, possivelmente depois desse, tenho um bate-boca medonho com a mãe. O curioso neste sonho é a presença de D, com quem sonho tão pouco. No sonho, eu sei que ele está morto e ele não. Enquanto caminhamos por uma rua que parece a Lisboa no Cassino, vou pensando se devo ou não contar-lhe que ele já morreu, ou que fatalmente vai morrer em breve.

Nenhum comentário:

Postar um comentário