Querência
O casal se
apaixona: são semanas em que o mundo se perde num plano de fundo diáfano,
difuso, como uma cena de batalha que há num quadro de Navarrete, o Mudo, que
está no Escorial.
Depois o
fogo abranda, já não há tanta urgência de estar junto, de estar dentro.
Continua um enorme interesse pelo outro, com aquela vontade de conversar e de
compartilhar. Casam-se e enfrentam as crises que os anos trazem: frustrações,
pequenas infidelidades, filhos problemáticos. Trinta anos depois, ainda estão
juntos.
Sei lá se
esses dois encontraram o amor (sei lá o que é o amor). Acho que se encontraram,
que um é querência para o outro: o espaço na cama, o cheiro no ar, certos
ruídos cotidianos. O ombro amigo, o ouvido do confessor. Podem ficar em Porto
Alegre, fazer doutorado em Yale ou trabalhar em Xangai — não é uma questão de
geografia: o companheiro é a sua querência, da qual conhece todo o relevo e até
as intempéries do clima.
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