segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Sonhos II

Como me ajudou a dizer a Thaís, quem semeia fantasmas colhe assombrações e, como bem sabemos, isso se refere aos vivos que deixamos para trás, e não aos mortos que nos deixaram. Pois é, então depois de sonhar com C acabado, sua mãe de preto e D, todos nós juntos caminhando pela Dr. Nascimento em direção ao canalete, onde as águas estavam correndo, o canalete cumprindo a função para a qual foi desenhado e construído*, e onde, num canalete mais estreito, paralelo ao “real”, nadavam botos pequenos e azuis... C e sua mãe caindo na água para nadar, D tirando a roupa debaixo de uma ponte para se juntar a eles, movida pela certeza de que eu não demoraria a entrar. E eu com a certeza de que a água estava boa, os botos bioindicadores passando ao meu lado no canalete que nunca existiu... E me privando daquele banho noturno sem nenhum motivo... Como interpretar?

A simples presença dos amigos que no momento do sonho estavam distantes me parece que é uma forma de me acusar de havê-los transformado em fantasmas. D se despindo é um óbvio wish-fulfillment.

E, por baixo de tudo isso, fica a cidade... Será que conseguimos mesmo mudar de lugar como pensamos? Se eu for continuar a sonhar com a Terra dos Ventos sem Nome o resto da minha vida, será que isso não é evidência suficiente de um imprinting invencível? Da outra vez a praça, agora o canalete... Fica a impressão da impressão...

Então eu sou o desmancha-prazeres. Sou eu que não me lembro do endereço aonde seria necessário levar C, sou eu o único que não entra na água...

E os fantasmas... Novamente, N junta-se a eles, seu resgate foi uma triste e curta ilusão. S, que o diabo a carregue, vai logo atrás, de volta ao limbo, de volta a um universo de rostos anônimos que me lembrarão dela quando eu menos esperar e quiser...

E lá vou eu mesmo, sendo guiado por outros cujas intenções não entendo, por outros que são capazes de chegar ao canalete à noite e entrar na água para nadar, como se não fosse nada... E eu, desmancha-prazeres... Não, é muito pouco... Certamente haveria mais para interpretar, se alguém estivesse fazendo as perguntas certas...

* “... Para evitar que em época de cheia a cidade fosse invadida pelas águas, foram construídas (sic) aquedutos, que normalizam o nível das águas. O mais popular é o da Avenida Major Carlos Pinto, que une as águas do Canal do Norte ao Saco da Mangueira. O ‘Canalete’, feito de concreto armado, possui duas comportas nos dois extremos que regulam a entrada e saída das águas.”
    “Cartilha Papareia”, Piragine, Maria L.R. e colaboradores, entre eles, modestamente, YT.

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