quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Guardanapos V

PnE: if you get close enough and play it cool, there's a slight chance that the girls at the bar will perceive your mass and gradually gravitate your way.

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She raised the cigarette to her lips like a battleship raises its 16-inch guns...

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Just Comitting to Paper (JCtP): My broken bones are all in places that do not show.

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JCtP: Toco o sax tenor que nem o Coltrane:
Ele: sheets of sound
Eu: shits of sound!


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Poucos personagens têm minha simpatia como o velho do Hemingway que apenas buscava "a clean, well-lighted place".

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E só pro caso de alguém achar que me falta autocrítica:


segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Sonhos II

Como me ajudou a dizer a Thaís, quem semeia fantasmas colhe assombrações e, como bem sabemos, isso se refere aos vivos que deixamos para trás, e não aos mortos que nos deixaram. Pois é, então depois de sonhar com C acabado, sua mãe de preto e D, todos nós juntos caminhando pela Dr. Nascimento em direção ao canalete, onde as águas estavam correndo, o canalete cumprindo a função para a qual foi desenhado e construído*, e onde, num canalete mais estreito, paralelo ao “real”, nadavam botos pequenos e azuis... C e sua mãe caindo na água para nadar, D tirando a roupa debaixo de uma ponte para se juntar a eles, movida pela certeza de que eu não demoraria a entrar. E eu com a certeza de que a água estava boa, os botos bioindicadores passando ao meu lado no canalete que nunca existiu... E me privando daquele banho noturno sem nenhum motivo... Como interpretar?

A simples presença dos amigos que no momento do sonho estavam distantes me parece que é uma forma de me acusar de havê-los transformado em fantasmas. D se despindo é um óbvio wish-fulfillment.

E, por baixo de tudo isso, fica a cidade... Será que conseguimos mesmo mudar de lugar como pensamos? Se eu for continuar a sonhar com a Terra dos Ventos sem Nome o resto da minha vida, será que isso não é evidência suficiente de um imprinting invencível? Da outra vez a praça, agora o canalete... Fica a impressão da impressão...

Então eu sou o desmancha-prazeres. Sou eu que não me lembro do endereço aonde seria necessário levar C, sou eu o único que não entra na água...

E os fantasmas... Novamente, N junta-se a eles, seu resgate foi uma triste e curta ilusão. S, que o diabo a carregue, vai logo atrás, de volta ao limbo, de volta a um universo de rostos anônimos que me lembrarão dela quando eu menos esperar e quiser...

E lá vou eu mesmo, sendo guiado por outros cujas intenções não entendo, por outros que são capazes de chegar ao canalete à noite e entrar na água para nadar, como se não fosse nada... E eu, desmancha-prazeres... Não, é muito pouco... Certamente haveria mais para interpretar, se alguém estivesse fazendo as perguntas certas...

* “... Para evitar que em época de cheia a cidade fosse invadida pelas águas, foram construídas (sic) aquedutos, que normalizam o nível das águas. O mais popular é o da Avenida Major Carlos Pinto, que une as águas do Canal do Norte ao Saco da Mangueira. O ‘Canalete’, feito de concreto armado, possui duas comportas nos dois extremos que regulam a entrada e saída das águas.”
    “Cartilha Papareia”, Piragine, Maria L.R. e colaboradores, entre eles, modestamente, YT.

domingo, 14 de agosto de 2016

Velsos III

Esse negócio de andar
                   de bar em bar
ainda vai terminar
            em malefício:
nego trancado no hospício!

Esse negócio de caminhar
pensando em inglês
essa mania de rimar
you want to be
            com
a part of society
não vai acabar bem:
é coisa de quem
não bate bem!

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A Cidade Baixa
O Bairro Alto
Um golpe baixo
O coração aos saltos
Porto Alegre
Lisboa

Lisboa, Rua das Chagas
(Eu já rogando pragas!)
Tu não chegas
(E eu odeio regras!)
Tua ausência, um chuço
Na minha carne: quase choro
Em que chibos
Por que choças
Andas que não me chegas?

sábado, 13 de agosto de 2016

Borges

Se  a = b e b = c, então a = c. OK! É a própria definição de um silogismo.

O problema é que isso é verdade se, e somente se, a, b e c têm uma existência real e simultânea. Basta pensar num punhal. Como teria prazer em repetir Gertrude Stein, um punhal é um punhal é um punhal. Desde que ele exista. Um punhal imaginário, na mente do velho Borges, pode ser bem diferente de um punhal real, ou de um punhal imaginário em outra mente. Podemos aproveitar que Borges já veio mesmo nos visitar nestas linhas (nas minhas entrelinhas, ele está sempre presente!) e utilizá-lo para demonstrar a restrição de simultaneidade: um punhal de pedra asteca feito para afundar-se no peito das vítimas dos sacrifícios rituais não é igual a um punhal de pedra polida ontem para tirar dólares de bolsos ianques, assim como o Quixote de Menard é diferente do de Cervantes.

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Seguindo uma ideia do Borges, da qual a Bia foi vítima do Guillermo e minha, com outros títulos, numa tarde num café da Terra dos Ventos sem Nome, segue uma lista de livros com títulos impossíveis ou absurdos, copyright by YT:
  • ·       An Anthology of the Most Popular Plays During the Abbasid Rule in Cairo
  • ·       Fuegian Strategy and Tatics, Vol. 1: The Whale Wars against the Eskimos (1750-1834)
  • ·       Charles Darwin and the Eye: How The Careful Observation of an Organ Led to "The Origin of Species"
  • Wegener's Static Ideas and their Influence on Reinhold's Prutenic Tables

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Sonhos I

Despertar é retirar-se de um reino onde até o alicate cremoso do Manoel de Barros é possível.

Sonhei que estava mergulhando no naufrágio de uma corveta, mas era uma situação muito diferente das que vivi nas duas vezes em que mergulhei para ver corvetas: a "Ipiranga", em Fernando de Noronha, e a "Camaquã", ao largo da costa de Pernambuco.

No sonho, havia uma fila enorme embaixo d'água; todos à minha frente eram casais e estavam nus — surpreendeu-me que alguns estivessem se beijando e, ainda assim, os homens não estivessem de pau duro. Lá pelas tantas, decidi averiguar por que a fila não andava, o que havia lá na frente, mas não furei a fila propriamente, porque ajustei meu colete e subi, passando por cima da fila. Antes da corveta estavam uns homens da marinha americana com cara de poucos amigos e depois havia um alambrado para impedir que os mergulhadores se aproximassem demais do naufrágio, do qual só se via a popa. Ao começar a voltar para o meu lugar na fila, certo de que aquele mergulho ia ser uma merda, despertei.

domingo, 7 de agosto de 2016

Verbetes IV

Querência
O casal se apaixona: são semanas em que o mundo se perde num plano de fundo diáfano, difuso, como uma cena de batalha que há num quadro de Navarrete, o Mudo, que está no Escorial.

Depois o fogo abranda, já não há tanta urgência de estar junto, de estar dentro. Continua um enorme interesse pelo outro, com aquela vontade de conversar e de compartilhar. Casam-se e enfrentam as crises que os anos trazem: frustrações, pequenas infidelidades, filhos problemáticos. Trinta anos depois, ainda estão juntos.

Sei lá se esses dois encontraram o amor (sei lá o que é o amor). Acho que se encontraram, que um é querência para o outro: o espaço na cama, o cheiro no ar, certos ruídos cotidianos. O ombro amigo, o ouvido do confessor. Podem ficar em Porto Alegre, fazer doutorado em Yale ou trabalhar em Xangai — não é uma questão de geografia: o companheiro é a sua querência, da qual conhece todo o relevo e até as intempéries do clima.

Juntos até que a morte os separe. Só que aí não é a perda da companheira, é toda a querência que some: não há chão para pisar nem ar para respirar. Não é à toa que tantos velhinhos definham e finam-se, quando lhes morre o cônjuge: vão fazer o quê neste universo estranho que de súbito os traga?

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Velsos II

MARIA
Ao fim do dia
Tanta heresia
Cometida há pouco
E já deixada pra trás
                                  {resquício
Rimar suplício com    {hospício
                                  {malefício
Rimar Rimbaud com Xangô
Rimar rápido súplica com réplica
Rimar os Lusíadas
com Mar  íadas
      Dores

Em algum lugar tem
Ou há-de ter
Uma tal das Dores
Sem pudores nem rancores
das Dores da Vida

                                                                     ***

FAMÍLIA
A família que não tive:
O primo Aldeído
Auxiliar de contabilidade
As gêmeas Imida e Imina
Ninfomaníacas
Paracloro, o místico
Pensava-se Paracelso
Propeno, o propenso
a bebedeiras e infartos
E o pobre Benzeno
Encerrado num labirinto
Circular
A família morava debaixo
das pontes de Hidrogênio
Votava em Van der Waals
E se achava feliz

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Guardanapos IV

Esse foi anotado em um boteco de Vitória, ES:

Sinais de um país maluco em um mundo louco: apareceu um cara de terno e gravata com uma maleta grande no happy hour de um feriado. O Louco logo pensou que ele não podia estar saindo do trabalho, que devia ser um vendedor ou um evangélico da porra. Resultado: era um engraxate! O tempora, o mores!

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Apontado no Larus, Cassino, num inverno qualquer:

Minas de Brim e Minas de Gorra
As de brim me lembram do sertanejo de Euclides da Cunha (que andou por aqui!): desajeitadas ao primeiro olhar, rígidas em suas carapaças de rude algodão, revelam-se mui versáteis para dançar e para agarrar seus "pequenino Y".

As minas de gorra estão um espetáculo à parte esta noite: quem sabe se por uma via indireta: a FEARG de que T tanto falou. Vi uma: um sonho: um Kilimanjaro: um Fuji: beleza com topinho branco! Vi outra: gorra cinza, estrela alva. Aí nego não sabe: Antares, a maldita alfa de Escorpião, ou uma benfazeja, tipo a mítica Estrela do Norte?

***

Em 1943, com a guerra roendo o mundo e justamente por causa de uns sucessos dos aliados, Dalí pinta um mundo-ovo rachado que sangra uma gota gorda para que nasça um novo homem, enquanto América e África derretem-se em ouro, mas que é, essencialmente, um quadro de esperança. Quando alguém vai pintar um quadro que seja um retrato desse planeta que não aguenta mais a mínima agressão, que sua sangue por todos os poros?